terça-feira, 5 de agosto de 2014

A Rosa

Só quem a conheceu bem sabia como era difícil.

Sempre tinha alguma ordem para dar, um comentário descabido, uma implicância prontinha na ponta da língua.

Acredito, hoje, que fazia isso com amor. Pois não sabia ser de outra forma. Ouso até dizer que não sabia amar de outra forma.

Ironicamente estou usando, hoje, uma roupa (um figurino, talvez) que nos causou uma discussão. Como eu pude pensar em sair de casa usando uma blusa cinza e uma calça marrom. Engraçado, o que incomodou não foi a mistura um tanto moderna de estampas, mas as cores que predominavam em cada peça.

Logo hoje. Saía para resolver algumas coisas da casa, me preparando para o trabalho que está por começar, amém, quando a chuva resolve atrapalhar meus planos. Uma ligação inocente me tira o chão. Mãe, tudo bem? O que você vai fazer agora de manhã? e a voz trêmula do outro lado me indicava que não, não estava tudo bem. Não estava nada bem.

Do alto de seus 88 anos, com um atestado médico na bolsa autorizando a prática de hidroginástica e pilates! Por volta de 20:30 minha mãe levou um mingau, mesmo prato que eu resolvi "jantar" ontem. Já pela manhã, na hora de entrar com o jornal, era aquilo, CSI, não tinha mais jeito, mais nada que pudesse ser feito. Mas (espero) foi rápido, sem dor. Certamente não foi anunciado, porque fora os joelhos que eram umas merdas, dona Rose não sentia nada. Dançou no casamento do neto tem menos de um mês! 

Por tantas campainhas que causavam uma espécie de pânico, por tantas vezes que esquecia nossos nomes, entrava em casa sem bom dia, boa tarde ou boa noite, às vezes nem um "oi"... 

Gosto mesmo de pensar que não era por mal, porque está pra nascer uma pessoa tão amada, tão bem querida, cheia de amigos. Sempre de agenda cheia, almoços, lanches, jogos. Mantendo sua pose, uma verdadeira dama da sociedade, sem vergonhas, sem pudores, sem filtro.

Vovó Rose, sem filtro. Era aquilo mesmo, era por inteiro, era muito intensa. Muito intensa.

Tenho certeza que está perpetuando toda essa intensidade em algum lugar agora. Sempre alegre, sorrindo, chamando "uú" os amigos, contando suas histórias (e como tinha histórias!) e nunca deixando se abater. Ela vivia. Um ensinamento, viver desse jeito.

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Sobre rótulos

Fruto de algumas insônias _ por que julgamos tanto? Tudo, e todos?

Eu trabalho com roupa, isso quer dizer que tenho que gostar de comprar roupas? 
E se eu gosto de comprar roupas, quer dizer que não me preocupo com o mundo? 
Se eu me preocupo com o mundo, quer dizer que não posso me importar com a aparência? 
E se eu me importo com a aparência, então não tenho nada a acrescentar?
Mas pra ter algo a acrescentar eu tenho que ter um trabalho super cabeça, não é?

Eu trabalho com figurino, estou constantemente cercada de roupas. Muitas vezes, roupas novas. Passo boa parte dos meus dias em shoppings (porque figurino contemporâneo é o que mais se vê por aí). Isso não quer dizer que eu gosto de shoppings ou concorde com a sociedade de consumo. Aliás, como não concordo... 
Eu trabalho com figurino, isso também quer dizer que às vezes passo oito horas do meu dia batendo perna no Saara. Também quer dizer que eu carrego caixas, montanhas de cabides e araras. Também quer dizer que carrego e arrumo um caminhão, que viro noites pensando em soluções para algum problema específico. 
Eu trabalho com figurino, isso também quer dizer que eu faço contas. E muitas. Que me preocupo com o código de defesa do consumidor e que presto atenção na burocracia de uma prestação de contas. E não precisei fazer nenhum curso técnico para isso.

Fiz faculdade de Comunicação na PUC. Muitas vezes quando eu falo isso, já vem os julgamentos menina rica e maconheira (se eu falo que estudei na Escola Parque, então, piorou). Larguei para fazer faculdade de Artes no SENAI CETIQT. Aí já complicou, por incrível que pareça ainda tem muita gente que não entende bem o papel de uma faculdade de Artes... e mesmo quem entende, pensa que é uma espécie de perda de tempo, afinal, "arte todo mundo sabe, tem na escola". No CETIQT tinha uma richa muito boba entre alunas de Artes e de Moda, e me pego muitas vezes inserida nesse contexto, implicando com amigas que fizeram curso de Moda como se fosse "menos esclarecedor" ... eu sei que quando eu falo é só por falar, só pela provocação mesmo. Até porque, entrei no curso de Artes porque não tinha vaga para Moda quando fiz o vestibular.


Mas aí me pego pensando, constantemente, por que sentimos sempre a necessidade de rotular as outras pessoas? Aliás, não só as outras, nós mesmos...

Somos pessoas plurais. 

Faço um esforço diário de extrair os rótulos do meu vocabulário, da minha vida. Estamos constantemente julgando e sendo julgados, mas a troco de quê? Julgando e criando expectativas. Por que simplesmente não vivemos e deixamos as coisas se desenrolarem naturalmente, sem ficar pensando que tal coisa seria de tal forma se eu agir assim, mas será de outra forma se eu agir assado. Porque com esse excesso de expectativas, fazemos constantes pré-julgamentos e criando pré-conceitos que muitas vezes nos impede de viver experiências que podem ser interessantes e enriquecedoras.

Me proponho, a partir de agora, um comprometimento com o exercício da liberdade de expressão. Minha, sua, de todo mundo. Sem expectativas, sem julgamentos, apenas ser.

Sobre conceitos

A mulher moderna é independente.

Essa semana pipocou de textos sobre essa mulher moderna que quer o mundo. O primeiro que li, era da Ruth Manus, publicado no Estadão online. Falava dessa mulher moderna que trabalha demais, sai com as amigas, se vira sozinha e, ao que fez parecer, tem dificuldade em encontrar homens que acompanhem esse ritmo. Me identifiquei, de certa forma. Aí li uma resposta, muito boa, de Marilia Pereira Jorge, publicada na Folha online. Criticava a mulher desse primeiro texto, porque realmente já está um tanto ultrapassado chamar isso de "mulher moderna". Minhas duas avós são exemplos de mulheres modernas, uma se separou ainda nos anos 1960, se não me engano e a outra trabalhou a vida toda e se sustentou, cuidou de si. Ok, concordo. Também me identifiquei. 

Essa mulher moderna que se acha Mulher Maravilha e incompreendida pelos homens tem mesmo um quê de mal amada. Os homens hoje em dia estão preparados sim para uma mulher forte e independente. Muitos, inclusive, buscam isso. E não, não é orgulho nenhum não saber limpar direito a casa, não saber as manhas de lavar as roupas sem manchar nem de não saber preparar uma refeição.  Aí veio um terceiro texto, que achei um tanto forçado, mas também interessante, de Camila Pavanelli, publicado no blog Recordar, Repetir, Elaborar. Ela critica, principalmente, o fato dessas tais mulheres modernas de certa forma desmerecerem o trabalho doméstico. Não é, de forma alguma, um trabalho menos digno que qualquer outro. Aliás, acho mais digno que muitos trabalhos. Fato é que inventamos tanta coisa o que fazer para além do trabalho, fora de casa, que simplesmente "estar em casa" na rapidez do mundo de hoje parece "perda de tempo". Por favor, reparem nas (respeitem as) aspas! 

Eu mesma, adoraria ter mais tempo e me dedicar mais à casa. Ainda moro com meus pais, mas sinceramente gostaria de dividir as funções com a minha mãe e, dependendo do dia, com a diarista, porque minha mãe também não tem esse tempo para se dedicar inteiramente às funções domésticas. Adoraria cozinhar mais, lavar roupa com tempo, arrumar as coisas do meu jeito... mas não dá. Gostaria também de tirar um tempo (todo dia, se possível) para ler, ou escrever. Cuidar mais de mim. 

Pra mim, o maior vilão na vida das mulheres - e homens! - modernxs não é nem essa coisa da falta de tempo. Porque na verdade, na verdade mesmo... o tempo ta aí! A gente é que não usa ele direito. O que acho pior mesmo é esse imediatismo desenfreado, são os emails no celular, o instagram, o facebook, as mensagens... isso que consome nosso tempo e energia e, na boa, não compensa um momento de calma, não é melhor de maneira alguma que meia horinha passada lavando a louça enquanto ouve uma música ou conversa sobre o seu dia. 

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Meu avô

Hoje tem Festa no Céu.

Uma festa que está sendo preparada faz tempo. Aliás, não consigo me lembrar de um tempo em que essa festa não estivesse sendo preparada. Não consigo.

Ontem meu avô partiu, depois de muitos anos de sofrimento, muitas quase-partidas anunciadas. A gente já estava esperando, mas acho que por esperar por tanto tempo, a notícia acabou me pegando um pouco de surpresa.

Minha semana foi uma loucura, um dia mais confuso e cheio que o outro, desesperos, pepinos a resolver, um verdadeiro pandemônio! Não tenho tido tempo (a velha desculpa) para mim, minha família, meus amigos, minha vida... Em How I Met Your Mother dois personagens tem um pacto de "só me incomode se for algo acima de 8 na escala de importância" e essa semana tive que jogar de acordo com essa regra.

No meio disso tudo, na quinta, Cacá me mandou uma mensagem perguntando se eu podia falar. Respondi que só podia se fosse urgente. Ela desabafou qualquer coisa e ficamos de nos falar mais tarde, em casa. À noite fui falar com ela do meu susto, que quando vi a mensagem dela pensei que se ela estava me chamando no meio do dia, sabendo da loucura que estava o meu trabalho, deveria ser muito importante. Contei que a primeira coisa que me ocorreu foi que o vô tivesse morrido, e que na verdade fiquei aliviada de não ser isso.

Quando ela me ligou ontem, eu tive certeza que era. E foi.



Para a família toda foi um alívio, ele parou de sofrer. Mas porra, porque mesmo que ele sofreu tanto tempo???

A última vez que vi meu avô foi no dia dos pais, ano passado. Ele já não era ele, mas ele já não era ele fazia muito tempo antes disso. Meu pai e minhas irmãs foram no Natal, minha mãe ia (ou tentava ir) quase todo domingo. Eu não.

Não me fazia bem aquele ambiente, estar com a presença física dele e - se eu desse sorte - alguns segundos de lucidez. Conviver com a dificuldade de respirar, falar, engolir, focar o olhar... já me senti egoísta por não passar mais tempo, por não me dedicar mais à ele nesses últimos anos. Mas lembro dos últimos anos da Inha e, com muitas semelhanças no processo de envelhecimento dos dois, essa presença física já não era mais meu avô.

Que bom, Vô, que esse sofrimento acabou! A essa hora você deve estar botando o papo em dia com o Tio Felipe, que foi chamado mais cedo para ajudar a na arrumação da Sua Festa. Espero viver muita coisa aqui, para ter muito o que contar quando eu chegar! Te amo.